O economista Manuel Alves da Rocha mostrou-se hoje, na província do Huambo, incrédulo na eficácia do recente acordo entre o Governo e o Fundo Monetário Internacional (FMI) para o ajustamento estrutural da economia nacional. Se por dizer o mesmo o Folha 8 é catalogado como marimbondo, isso significa que há cada vez mais… marimbondos.
Ao ministrar uma aula magna sobre “Desafios da sustentabilidade financeira do Estado e das autarquias”, na Faculdade de Economia, Manuel Alves da Rocha (responsável pelo Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola), justificou que os benefícios resultantes de tal acordo, na ordem dos 2, 7 mil milhões de dólares, são bastantes insuficientes para cobrir as necessidades de financiamento para a economia do país.
Baseando-se no último relatório do FMI, publicado em Dezembro de 2018, e economista informou que, do ponto de vista real, as necessidades de financiamento da economia nacional para 2019 estimam-se em 22 mil milhões de dólares, ao passo que para o Estado, dentro da sua actividade enquanto promotor e facilitador da actividade económica e garante da estabilidade macro-económica estimam-se em 17 mil milhões.
Perante estas necessidades de financiamento, que o economista considera tremendas, admitiu que os benefícios financeiros que se esperam do acordo com o FMI nada trarão para a estabilização da economia nacional e que, por consequência, a situação financeira e social do país vai agravar-se cada vez mais.
Manuel Alves da Rocha afirmou que esta sua análise é partilhada por muitos economistas no país, salientando que as esperanças para a estabilização da economia nacional não podem ser direccionadas, apenas de forma exclusiva, no acordo que o Governo fez com o Fundo Monetário Internacional.
No seu entender, os riscos na dependência neste acordo apenas poderão contribuir na diminuição dos investimentos físicos e em capital humano, em função das dificuldades financeiras, tal como se tem registado no país nos últimos anos.
A título de exemplo, lembrou que as contas do Estado têm vindo a apresentar, desde 2014, défices sistemáticos, esperando, porém, que no presente ano possa haver um superavit orçamental de um por cento do Produto Interno Bruto.
Do ponto de vista estritamente político, nem sempre as análises de Alves da Rocha bateram certo. A 13 de Janeiro de 2017, por exemplo, defendeu que o então ainda provável futuro Presidente de Angola, João Lourenço, “não vai cometer a imprudência durante dois ou três anos de atacar e confrontar pessoas ligadas a José Eduardo dos Santos”.
“Haverá uma transição suave dentro da manutenção da linha política e durante dois ou três anos, João Lourenço não vai cometer a imprudência de atacar e confrontar pessoas ligadas de forma muito estreita a José Eduardo dos Santos, portanto nessa matéria poderá haver expectativa de estabilidade política, o que é fundamental para os investidores externos”, disse o economista.
Falando, na altura, à margem de uma conferência sobre “Angola, desafios e oportunidades face às mudanças em curso”, que decorreu em Lisboa, organizada pela AIP e pela Africa Monitor Intelligence, Alves da Rocha disse encontrar semelhanças com a chegada ao poder de José Eduardo dos Santos.
“Pode fazer-se a comparação com José Eduardo dos Santos, que manteve a perspectiva do pensamento de Agostinho Neto durante dois anos após a sua morte”, disse Alves da Rocha.
Do ponto de vista externo, “a transição será serena e suave”, vincou o economista, considerando que “o investidor pode não ir para Angola, mas será por outras razões, não por causa das eleições ou de instabilidade política”, salientando que “as divisas são o grande problema”.
A crónica fuga de capitais
A fuga de capitais de Angola poderá ter representado, anualmente, cerca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB), perto dos dois mil milhões de euros, segundo algumas estimativas.
Estes dados foram divulgados já em e 4 de Novembro de 2014 por Alves da Rocha durante a apresentação do livro “Fuga de Capitais e a política de desenvolvimento a favor dos mais pobres em Angola”.
A análise contida nesta publicação, não oficial, baseou-se em estatísticas e estudos internacionais, apontando para uma fuga ilícita de capitais que em Angola poderá ter variado entre os 384 milhões de euros e os dois mil milhões de euros, anualmente, entre 2001 e 2010.
“Isto tem reflexos. Se é capital que sai, vai alimentar outras economias, vai gerar empregos noutros países. Quando nós também precisamos de investimento, de gerar emprego e distribuir melhor e mais rendimento a quem de facto está em níveis de sobrevivência”, afirmou Alves da Rocha.
O livro, que contou com contributos do português Paulo de Morais, presidente da Frente Cívica e regular colaborador do Folha 8, sobre a situação em Portugal, resultou de uma conferência internacional realizada em Junho de 2013, em Luanda, tendo então o ministério das Finanças estimado em apenas 17,5 milhões de dólares (14 milhões de euros) a fuga de capitais em Angola.
Números muito distantes dos que constam da publicação então apresentada pela Universidade Católica de Angola, sessão em que não marcou presença qualquer representante do Executivo angolano.
Pois. Onde andava o MPLA? Onde andava José Eduardo dos Santos? Onde andava João Lourenço?
Para Alves da Rocha, a “fraqueza dos bancos” e “algum laxismo” na aplicação da lei, como na fiscalização da saída de passageiros – e dinheiro – pelo aeroporto internacional de Luanda, mas também uma retribuição de juros superior em depósitos em dólares feitos nos paraísos fiscais, ajudam a explicar a situação.
No caso de Angola, se a fuga de capitais fosse travada, permitiria uma redução directa anual de 2,11% na taxa de pobreza, recordou o docente.
“Só por esta razão e não por outras, como a criação de emprego ou o crescimento do PIB”, sublinhou o director do CEIC.
A publicação reuniu artigos de investigação de nove académicos, entre angolanos, africanos, europeus e sul-americanos, e discutiu temas como a fuga de capitais e a redução da pobreza, o papel e a participação dos bancos na fuga de capitais, a corrupção, além do regime jurídico angolano em matéria de fuga de capitais.
Nos últimos 25 anos, estes investigadores estimaram que África perdeu anualmente 22,5 mil milhões de dólares (18 mil milhões de euros) em fuga ilícita de capitais, superior ao PIB de 60% das economias subsaarianas.
Manuel Alves da Rocha é economista de formação, com pós-graduações em França nos domínios de modelos económicos e práticas económicas restritivas, tendo uma vasta e diferenciada actividade de investigação e consultoria económica e institucional, bem como de docência universitária em Angola e Portugal.
Director do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, criado em 2002, é membro da Academia de Ciências de Lisboa (Académico Correspondente), da Sociedade de Geografia de Lisboa, do Senado da Universidade Católica de Angola, da Ordem dos Economistas Portugueses, da Associação Angolana de Economistas, da Canadian Association of African Studies (desde 1998), do Centro de Estudos Africanos do ISCTE (Portugal), do Centro de Estudos Sociais e Desenvolvimento, do Centro de Estudos Estratégicos de Angola e do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola.
O também investigador, é Professor Titular da Universidade Católica de Angola, onde é regente e lecciona as disciplinas de Finanças Públicas e Teoria da Integração Económica na Faculdade de Economia e Gestão.
Entre outras funções, colaborou com o Banco Mundial, o Banco Europeu de Investimento, Organização Internacional do Trabalho e o CNUCED. Foi consultor técnico principal de diferentes organismos do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) durante 10 anos e, entre 2001 e 2008, trabalhou com a Comissão Europeia em Angola. É autor de vários artigos científicos e livros.
Folha 8 com agências
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